Produtores de soja da Argentina não pagam royalties por sementes salvas

Cerca de 80% dos agricultores do país preferem produzir as próprias sementes, já que a legislação local não obriga o pagamento da taxa nessa situação

Fonte: Roberta Silveira/Canal Rural

Na série especial sobre royalties da soja Intacta, ficou claro que o produtor brasileiro paga bem mais pela tecnologia do que seus vizinhos argentinos e paraguaios. Nesta segunda reportagem, o foco é a Argentina: por lá, os produtores só pagam os royalties da Intacta na compra das sementes. Se forem salvas, a legislação do país não os obriga a efetuar o pagamento.

Neste ano, a Argentina colheu 58 milhões de toneladas de soja. O país é o terceiro maior produtor mundial do grão, atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil. A concorrência entre brasileiros e argentinos é desigual quando o assunto é o pagamento de royalties pela Intacta (RR2), que controla a presença de algumas lagartas. Se por aqui os produtores estão acostumados a pagar pelo direito de uso da soja da Monsanto, no país vizinho a coisa não funciona exatamente assim.

Por lá, produtores como Luis Maria Testa, do município de Nueve de Julio, próximo a Buenos Aires, estão acostumados a salvar as próprias sementes, já que o clima permite essa estratégia. Na última safra, por exemplo, cerca de 80% da soja da Argentina foi cultivada com sementes salvas. “Legalmente há uma crise, pois não está claro o que deve ser feito. Não há um controle do Estado para impedir que o produtor salve a semente, ou faer com que pague os royalties de alguma maneira pela semente guardada”, afirma Testa.

A tecnologia Intacta ainda tem pouca representatividade no país: apenas 15% da área é semeada com a RR2, aproximadamente. A Monsanto tenta há 20 anos fazer a cobrança dos royalties pelas sementes salvas, desde a RR1, mas uma lei do país impede isso.

“Quando o produtor compra uma semente certificada pela primeira vez, vai pagar o royalty. Mas a lei argentina diz que o uso próprio dessa semente, depois disso, é gratuito. Essa é a discussão. Os produtores entendem que a lei vigente permite que continuem salvando essa semente e que eles não têm que pagar nada”, afirma Egidio Mailland, vice-presidente da Confederação de Cooperativas Agropecuárias (Coninagro).

Problemas gerados pelo não pagamento

O gerente de assuntos corporativos da Monsanto na Argentina, Gustavo Idigoras, conta que a dificuldade na cobrança da taxa tecnológica fez a empresa adiar o lançamento de novos produtos no país. “Por conta de situações parecidas, a Monsanto já retirou uma tecnologia muito demandada pelo produtor argentino”, diz. “Estamos nos primeiros passos. O objetivo é ter um sistema e um mercado como existe no Brasil.”

O gerente da Associação das Sementeiras do país, Alfredo Paseyro, diz que outras empresas também deixaram de lançar produtos no mercado argentino, pelo menos até que a questão dos royalties esteja resolvida. “O prejuízo não é só para as empresas, é para o país todo. Em qualquer atividade, qualquer segmento da economia. Afinal, sabemos que a tecnologia é necessária”, conta Paseyro.

Como é feito o pagamento

Na safra 2016/2017, o produtor argentino pagou US$ 16,20 de royalties por hectare na semente certificada. Os paraguaios, que também usam a tecnologia, pagaram entre US$ 21 e US$ 25 por hectare. Enquanto isso, os brasileiros pagaram R$ 129 (aproximadamente US$ 40) por hectare, 150% a mais que na Argentina e 90% acima do valor desembolsado no Paraguai.

Na Argentina, quem não paga o royalty na semente tem a opção de antecipar o valor da moega e ter um desconto. Assim, se pagar antes da entrega, o valor pode ser de US$ 9,60.  Quem deixar para pagar na moega desembolsará US$ 15 por tonelada. No Paraguai, deixar para pagar na entrega do grão custa mais, chegando a US$ 16 por tonelada. No Brasil, a cobrança é diferente, 7,5% sobre o volume entregue, que nos valores atuais renderia US$ 23,20 por tonelada.

Mudança na legislação

No ano passado, o Ministério da Agroindústria argentina apresentou ao Congresso o projeto de uma nova lei para as sementes. O texto ainda não foi para votação e não há previsão de quando isso deve acontecer.

Com a eleição legislativa marcada para este ano no país, uma definição sobre o tema pode levar ainda mais tempo e aumentar a insegurança sobre o assunto entre os produtores. “Precisamos ter uma certeza, uma previsibilidade de quanto custará esse royalty. Porque se eu plantar hoje, guardar a semente e, no ano que vem, quando for plantar surgir um alto valor a pagar pelo royalty, a coisa complica”, diz Mailland.