Brasil tem mais de quatro conflitos agrários por dia

Estudo aponta que, em 2016, cerca de 12,8 mil pessoas foram despejadas de terras pelo poder público e mais 2,6 mil foram expulsas por milícias privadas

Fonte: Pixabay

O Brasil registrou mais de quatro conflitos agrários por dia em 2016, segundo levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra. Os defensores de direitos humanos alegam que a Justiça falha nas questões que envolvem o campo e que o enfraquecimento de instituição como Incra e Funai podem piorar ainda mais esse cenário.

Segundo o estudo, o número de ocorrências deste tipo subiu 25% de 2015 para 2016 e quase um milhão de pessoas estiveram envolvidas nessas disputas no ano passado, cerca de 11% a mais do que em 2015, sendo mais da metade na Amazônia Legal. O estudo também aponta que, em 2016, cerca de 12,8 mil pessoas foram despejadas de terras pelo poder público e mais 2,6 mil foram expulsas por milícias privadas. Os enfrentamentos também incluem disputas por água e situações de trabalho análogo à escravidão.

Em 2016, 61 pessoas foram assassinadas nesses conflitos e, apenas nos primeiros meses de 2017, esse número chegou a 40 mortes. “Quem nos envia esses dados são todos os agentes da Pastoral da Terra, que estão nos locais onde acontecem os conflitos. Os dados procuram ser imparciais e mostrar a realidade do que acontece no campo, independente de quem são os atores que estão envolvidos”, disse o representante da Comissão Pastoral da Terra, Frei Olavo Dotto.

O defensor nacional de direitos humanos da Defensoria Pública da União, Anginaldo Oliveira,  denuncia que, em algumas regiões, proprietários de terras pagam a polícia para usar violência em operações de reintegração de posse.

“A polícia vai, muitas vezes, já inclinada. O próprio policial é levado pelo fazendeiro com uma estrutura de transporte fornecida pelo requerente da ação e sem acompanhamento da defensoria pública ou órgão de defesa das pessoas carentes. É uma medida judicial e a tendência de que ocorram conflitos sempre existe, mas as decisões judiciais que determinam o despejo deveriam passar pela defensoria pública para que ela  pudesse ter conhecimento e, inclusive, auxiliar o poder judiciário no cumprimento dessas medidas de forma pacífica”, disse.

A pesquisa mostra que a impunidade marca os julgamentos dos casos de conflitos no campo, já que dos 1387 casos levados à Justiça entre 1985 e 2016, apenas 112 foram julgados. Desses,  31 mandantes de crimes foram condenados no período e 14 absolvidos e, entre os executores, 92 foram condenados e 204 absolvidos.

Somente neste ano foram registradas, pelo menos, três chacinas em locais que são focos de disputas por terra. A mais recente aconteceu em maio, em Pau d’arco, no Pará, e causou a morte de 10 posseiros durante uma ação da polícia. Em abril, outro caso resultou no assassinato de mais de dez indígenas do povo Gamela, em Viana, no Maranhão. Também em abril, em Colniza, Mato Grosso, nove pessoas que estavam acampadas em uma área rural foram mortas. 

O deputado federal Chico Alencar foi quem organizou uma audiência pública sobre o tema na Câmara. Segundo ele, o enfraquecimento da Funai e do Incra no país abre espaço para o aumento da violência no campo. “Eventual denúncia de corrupção aqui e ali não pode enfraquecer o órgão, que é muito permanente e muito importante na sua função. Isso exige segurança pública para os mais vulneráveis e a gente precisa de prevenção e de órgãos de investigação que funcionem ou que não fiquem submetidos a poderes locais, pois não basta achar quem acionou o gatilho ou esfaqueou, mas é preciso saber quem mandou”, falou o parlamentar.