Mercado futuro torna negócios mais seguros para o produtor rural

BMeF Bovespa quer estimular o uso dos derivativos agropecuáriosRaimundo Magliano Neto é economista de formação e pecuarista. Possui cerca de mil cabeças de gado em uma fazenda nas proximidades de São Félix do Araguaia, norte de Mato Grosso, onde faz cria, recria e engorda. Para se proteger de oscilações de preços na comercialização da produção e na reposição de estoques, utiliza os derivativos agropecuários, mecanismos de compra e venda no mercado futuro que têm como principal plataforma de negociações no Brasil a BM&F Bovespa.

? Quando tenho de repor o meu gado, vou ao mercado futuro e compro. Quando realmente eu compro o gado, eu vou lá e zero a posição. Quando o boi está pra ficar gordo, e eu acho que o preço é interessante para eu vender, vendo a futuro minha produção ? explica.

O mercado futuro é associado ao conceito de proteção de preço, o chamado hedge. Quem vende a futuro garante que pode receber pelo seu produto um determinado valor em uma data de vencimento já combinada. Previne-se contra uma eventual desvalorização. Quem compra a futuro, garante que pode pagar, prevenindo-se, assim, contra disparadas de preços. A idéia é neutralizar, se não todo, grande parte do risco do negócio.

? O mais importante é a segurança. É o que você quer quando compra um seguro. Para quem se planeja, faz previsão de venda, o mercado futuro é muito útil ? diz Raimundo Magliano Neto.

Mercado exige garantia

Além do boi gordo, a BM&F Bovespa possui contratos futuros de bezerro, soja, milho, café, algodão, açúcar e álcool. Há também os chamados mini-contratos para boi gordo, cujas bases correspondem a 10% dos contratos principais. Cada produto tem sua praça de referência de preço, data de vencimento, parâmetro de qualidade, quantidade e valor mínimo, local de entrega física do produto, além da possibilidade de liquidação financeira.

Mas ainda é pequeno o uso dessas ferramentas pelos produtores rurais. Em culturas como a de grãos, por exemplo, boa parte das operações é feita por empresas ou pelas chamadas tradings, que negociam, por um lado, no mercado físico com os agricultores ? trocando remessas de produtos por dinheiro ou insumos para produção ? e operam a futuro na outra ponta.

De acordo com especialistas, entre os fatores que inibem os produtores, estão deficiências na política agrícola brasileira, como a pouca utilização de seguro rural; diferenças tributárias entre os Estados, que dificultam a comercialização de produtos agrícolas; incertezas geradas por períodos de alta volatilidade no mercado; e, principalmente, o desconhecimento das ferramentas de derivativos, cuja operacionalização é mais complexa do que parece.

Os negócios só podem ser feitos por meio de corretoras habilitadas a operar na Bolsa. O mercado quer garantias de que se cumpra o contrato. Por isso, exige margens ? depósitos em dinheiro ou outros tipos de ativos para cobrir os riscos da operação ? que, além de não saber lidar, o produtor, muitas vezes, não tem capital de giro nem possibilidade de contrair crédito para bancar.

Ao fechar uma compra ou venda a futuro, o negociador tem um custo inicial, proporcional ao valor do contrato e à quantidade que se negocia. Como o preço no mercado varia, é necessário cobrir também o chamado ajuste diário, a diferença entre a cotação no dia e a do contrato. O contratante pode pagar ou receber diariamente.

Por exemplo, alguém vende boi a futuro ao valor de R$ 80 a arroba com vencimento em outubro do ano que vem. Se, já no dia seguinte, a cotação subir para R$ 85, o contratante paga a diferença. Se cair para R$ 75, recebe. No contrato de compra, o movimento é contrário. Recebe à medida que a cotação sobe e paga quando cai. O mesmo critério vale para qualquer ativo ou produto negociado a futuro na Bolsa.

? A coisa toda reside em bancar o ajuste diário por causa da falta de capital de giro que eles têm ? afirma Maria de Lourdes Yamaguti, especialista no mercado de algodão.

Um dos reflexos desta pouca participação é uma menor liquidez do mercado futuro agrícola brasileiro, que fica visível quando é feita uma comparação com outros países. Para se ter uma idéia, a BM&F Bovespa negocia algo em torno de 10% da safra nacional de soja, o principal produto das exportações agrícolas do país, enquanto a Chicago Board of Trade (CBOT), nos Estados Unidos, chega a negociar o correspondente a 18 vezes o volume mundial.

Tamanha liquidez torna a bolsa americana mais atrativa para agroindústrias, multinacionais e tradings, que optam por fazer o seu hedge em Chicago. Apesar da influência da grande produção agrícola do país sobre o mercado das principais commodities, a bolsa do Brasil não é referência internacional de preços para nenhuma delas.

Em busca do produtor

Os agentes do mercado estão cientes de que é preciso aumentar o volume de negócios em bolsa para consolidar o mercado futuro agrícola no país. Enquanto esperam por Reforma Tributária ou pelo aprimoramento da política nacional para o setor agropecuário, agem onde lhes cabe: ampliam plataformas de negócios e vão atrás do produtor rural, visando conscientizá-lo da importância de novas práticas gerenciais e do uso desse tipo de negociação.

Uma das mais recentes iniciativas da BM&F Bovespa foi a criação de novos contratos futuros de milho, colocados no mercado em setembro. A intenção é reduzir o impacto das diferenças entre os diversos locais de comercialização, tornando mais eficiente a proteção de preços e ampliando a viabilidade da entrega física.

O contrato financeiro mantém Campinas (SP) como referência para a formação de preço, e os regionais de base abrangem Triângulo Mineiro (MG), Rio Verde (GO), Cascavel (PR) e Paranaguá (PR), este último voltado para o mercado externo, já que os armazéns credenciados pela Bolsa para entrega física estão localizados no corredor de exportação do porto.

Outra iniciativa foi o roteamento de ordens com a Bolsa de Chicago, iniciado no último dia 30. A integração entre a BM&F Bovespa e a CME Globex abre espaço para agentes de mercado de mais de 80 países negociarem contratos de derivativos como os de café, boi gordo, soja e milho diretamente na bolsa brasileira, e vice-versa. Para o diretor de commodities da BM&F Bovespa, Ivan Wedekin, a globalização pode agregar liquidez e facilitar o comércio agrícola.

? Cada vez mais estaremos empenhados em desenvolver novos produtos, contratos e soluções de mercado para facilitar que os agentes conduzam seus negócios com menor risco ? garante.

Paralelamente, a bolsa brasileira trabalha para popularizar o mercado futuro com iniciativas como o programa “BM&F Bovespa vai ao campo”, em que especialistas percorrem as principais agrocapitais do Brasil, promovendo palestras e orientando produtores e demais interessados sobre a atuação na bolsa. São mantidos também postos de informação e distribuição de material promocional, e a iniciativa é transmitida para cerca de 18 milhões de pontos de recepção por antenas parabólicas e TV a cabo através do Canal Rural, no projeto Bolsa no Campo.

O primeiro encontro foi em Campo Mourão (PR). Depois foi a vez das também paranaenses Maringá e Cascavel. São José do Rio Preto (SP) foi o destino seguinte, no último dia 10. A BM&F Bovespa irá ao campo ainda em Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG), Campo Grande (MS), Goiânia (GO), Rio Verde (GO) e Sorriso (MS).

Ivan Wedekin acredita que o engajamento do setor produtivo é cada vez maior. Para ele, a fase seguinte dessa popularização será os bancos convencerem e estimularem os produtores a usar os derivativos. A lógica, diz ele, é a de que, correndo menos risco, o produtor que depende de crédito rural trará mais segurança também para o sistema financeiro.

O Banco do Brasil (BB) demonstra concordar com a idéia do diretor da BM&F Bovespa. Desde 2000 a instituição atua no mercado futuro como intermediário de operações, fazendo a ligação entre o negociador e o corretor. No ano passado, ampliou a atuação, passando a ser também lançador de opções para boi gordo, milho, soja e café. E planeja aumentar ainda mais a atuação no mercado futuro, à medida que crescer o volume de negócios na Bolsa.

? Disseminar a cultura da proteção de preços é uma garantia a mais para as operações de crédito. Para oferecer o crédito é necessário ter a garantia. Quando consegue ter a garantia e visualizar o preço de venda, é mais fácil definir a operação ? explica o diretor-executivo de Agronegócios do banco, Márcio Augusto Montella.

Os contratos de opções de compra e venda têm diferenças em relação aos futuros. A lógica é semelhante à de uma apólice de seguros, em que o lançador seria a seguradora, e o negociador de mercadorias, o segurado. Nesse caso, não há cobertura do ajuste diário. O único custo para o negociador é o prêmio, pago no ato da contratação como garantia da opção.

Não há a obrigatoriedade de comprar ou vender o produto do contrato, garantindo aos envolvidos a possibilidade de fechar o negócio de acordo com as condições do mercado. Se estiverem favoráveis, é exercido. Caso contrário, o contrato vence e simplesmente deixa de existir. O risco é a perda do valor do prêmio caso a opção não seja exercida.

? O primeiro passo para o agricultor entender facilmente é o contrato de opção. Logo em seguida, o desejo dele caminha imediatamente para o hedge ? opina o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos (Abrasgrãos), Telmo Heinen.

Outra iniciativa do BB é a capacitação de funcionários, em parceria com a BM&F Bovespa. Até o fim deste ano, cerca de 900 profissionais serão, nas palavras de Márcio Augusto Montella, “imersos” no mercado futuro, através de contato com analistas e corretores e conhecendo o pregão da bolsa. O compromisso dos participantes após o treinamento é o de multiplicar conhecimento com colegas de banco e produtores.

Uma nova mentalidade

Para Maria de Lourdes Yamaguti, da corretora Cottonlux, o aumento no uso dos derivativos por parte dos produtores será um movimento natural. No caso do algodão, mercado no qual atua, as vendas antecipadas de produção já atingem pelo menos as próximas três safras. Com a alta dos custos, muitos não conseguirão cumprir contratos ou cumprirão com prejuízo. Segundo ela, se os negócios fossem garantidos na Bolsa, reduziriam o risco de quem compra e quem vende.

? A partir do que houve em relação à planilha de custos, a melhor forma do produtor se proteger é no mercado futuro mesmo. Ele não só tem que aprender, como, se ele realmente quer fazer uma operação com trava (de preços), vai ter de entrar no mercado futuro agora ? previne Maria de Lourdes, para quem a partir de 2010 a atuação do cotonicultor no mercado deverá ser bem maior, principalmente para quem quiser negociar com o mercado externo.

Norberto Freund, da Vision Grain, avalia que o conhecimento dos derivativos agropecuários é importante até para quem não atuar diretamente no mercado futuro, como pequenos produtores que, na avaliação dele, não teriam escala de produção suficiente para garantir as operações. Sabendo como são utilizados os mecanismos, o agricultor estaria mais bem referenciado para estabelecer o preço de seu produto e se posicionar melhor no mercado.

? Ele só não vai usar o instrumento, mas sabe que existe e funciona a favor dele, porque uma das vantagens desse instrumento é que ele dá transparência para o mercado, o que é importante para ele.

Importância reconhecida pelo estudante de agronomia Teonas Dolci, de 19 anos, que se prepara para assumir os negócios da família em Espumoso (RS), onde diz colher anualmente uma média de 19 mil sacas de soja e 6 mil de trigo. Ele participou do projeto Campo Futuro, promovido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em 10 Estados para instruir os produtores sobre administração de custos de produção e uso do mercado futuro para um melhor gerenciamento de riscos.

Exemplo dessa nova mentalidade que o mercado busca no setor produtivo, Dolci diz que, antes, ouvia falar do mercado futuro agrícola, mas não tinha noção do que era. Depois do curso, termos como commodity, hedge e contrato futuro já não são mais tão estranhos.

? Eu queria ter mais conhecimento sobre esse mercado. Fazer mais alguns cursos, estar mais focado ou juntar uma equipe de produtores. Sou novo ainda, mas, ao me formar e tomar conta dos negócios, eu pretendo entrar, sim. Hoje em dia é primordial.